terça-feira, 20 de julho de 2010

O FAZER NOSSO DESTINO

Por Catarina Maul

Em algum momento todos temos a oportunidade de mudar a rota, contornar a vida, improvisar um mapa e transformar todo o nosso destino. Mas, nem sempre o fazemos.
É preciso coragem de enfrentar o desconhecido, vencer o medo da solidão na mudança das paisagens e exercitar um profundo desapego ao que sempre nos pareceu o mais natural, o conformismo.
Grande lição ela nos deu hoje, a pequenina felina com prováveis 2 meses de vida e uma estrela impar.
Abandonada numa suja lixeira (destino assustadoramente similar ao de muitas crianças nesse nosso país), teve que aprender a duras penas o custo da sobrevivência (destino também similar ao de nossas crianças, infelizmente!) e buscar, com coragem, algum lugar ao sol, água bebível e alimento.
Com certeza remexeu lixo, tremeu de pavor com violentos cachorros, viu e sofreu toda gama de insetos, adormeceu sentindo frio, em nossas imperiais noites de inverno.
Sem conhecer almofadas macias, colo e carinho, a pequena gatinha um dia olhou para o mundo e decidiu. Decidiu que em algum lugar haveria o seu lugar, mas para conhecê-lo precisaria assumir a coragem e adentrar o desconhecido. E assim o fez. Assim deveríamos, aliás, fazer todos nós!
Sorrateiramente, em algum momento incalculável, ela entrou em meu carro. Acostumada a fugas e improvisos, não fez o caminho óbvio do abrir de portas, desconhecia as portas da frente, mas subiu pelos fundos, emaranhou-se no caput e esperou seu momento, quieta, calada.
O carro andou, seguiu viagem, e de onde ela estava, só podia enxergar a vida passando no asfalto quente, deixando para trás, cada vez mais, o lugar de onde veio, o lugar prometido sem conforto e esperança, sem alimento e até... sem chance alguma de sobrevivência.
E de repente um miado sufocado, repetido inúmeras vezes durante o trajeto, me colocou de frente para a realidade.
Dentro da ferragem do carro, presa entre a lataria e a roda dianteira, estava uma assustada criatura, que entrou em minha vida não sei onde, em busca de uma chance de mudar o seu destino.
Foram quase duas horas e quase uma dezena de amigos para achar um jeito de tirá-la do espaço tão pequeno onde ela conseguira ancorar sua esperança. Faminta, com medo, não sei quantas horas ela enfrentou de medo, simplesmente para não se render ao conformismo.
E, nessas duas horas, muitos solidários olhares, muitos cuidados e mimos, muita torcida e planos. A pequenina gatinha ganhou, naquele momento, toda a atenção que jamais conhecera, dispensada na lixeira, junto a toda a sua ninhada.
Depois de angústia geral e apreensão de todos, chamamos eficiente e heróica mão de obra especializada: os bombeiros.
Em minutos ela foi salva e entregue ao colo aquecido de mãos torcedoras e amorosas. E foi assim que a pequena felina mostrou ao mundo que existia, que merecia respeito, que merecia carinho, que era uma criatura de Deus.
Com menos de dois meses de vida, sozinha, mudou seu destino, provou sua coragem, conquistou seu lugar ao mundo e elegeu seu futuro.
Provavelmente, porque um dia teve a sábia coragem de quebrar o protocolo, agora repousa em cama macia, coberta de mimos. Com certeza, já tem vasilhames de comida, nome, ração específica, perfume e caixa para as suas necessidades fisiológicas.
Adotada pela Ana Cristina e o Guto Menezes, ainda tem a sorte de ouvir para dormir as mais belas canções executadas nas notas mais perfeitas e afinadas, que somente a voz da Ana e as cordas do Guto sabem produzir.
O resto... é só amor!
A lição é a coragem!

“Este é o relato do acontecido no dia 18 de julho de 2010, em frente ao Clube Magnólia, no momento do início da Roda de Choro do Grupo Taruíra. O evento atrasou 40 minutos porque os músicos, sensíveis, tentaram salvar o animal aprisionado. O serviço eficiente do Corpo de Bombeiros solucionou o problema. Depois de grande disputa entre os músicos Zé Roberto Leão e Guto Menezes, quem levou para a casa a heroína gatinha foram o Guto e a Ana, pois como dizem todos, os gatos escolhem seus donos. O amor da gatinha pela Ana Cristina foi à primeira vista. Que bom que as surpresas ocorrem todos os dias!”

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