A Universidade Católica de Petrópolis recebeu na quarta-feira (26/06) o professor português do Departamento de Criminologia da Universidade de Ottawa, no Canadá, Daniel Santos, para uma palestra sobre aspectos sociais e econômicos da justiça criminal. Aproveitando a reflexão sobre a participação popular na democracia brasileira por meio das manifestações que acontecem no país, Santos percorreu a história da justiça penal no mundo para demonstrar como o poder e o capital influenciam a diferença de tratamento dada aos poderosos e aos pobres .
Segundo o professor, a justiça criminal passou por alterações significativas ao longo dos séculos, com destaque para a diferença marcante entre a justiça durante o Estado Moderno, quando cada nação concentrava em si o poder de criar leis e julgar, e o Estado democrático, em que as leis e os julgamentos passam a ser realizados de forma a representar a vontade popular. No entanto, Santos aponta como as leis e os julgamentos criam brechas para que haja diferença de tratamento dado aos poderosos e aos pobres, instaurando o que ele chama de “a criminalidade dos ricos e a criminalização dos pobres”.
O poder, relacionado de forma intrincada com o acúmulo de capital, é um desses aspectos que proporcionam injustiças. Através de diversos exemplos, Santos demonstrou como personalidades políticas e representantes de empresas multinacionais chegaram às manchetes dos jornais sob acusações criminais e, no entanto, conseguiram responder a processos civis, sem sofrerem penalidades como o encarceramento.
Por outro lado, o professor cita as prisões do Canadá como um depositário de pessoas que não podem pagar as suas multas de trânsito ou de estacionamento irregular, o que é considerado um crime menor. “Embora a lei seja, em tese, igual para todos, o que vemos na realidade é que a justiça não é justa porque trata os cidadãos de forma desigual. Onde estão as pessoas que cometem crimes financeiros? Existem muitos furos nas leis que esses criminosos poderosos conhecem muito bem e se utilizam para escapar. Os crimes econômicos e financeiros são muito difíceis de provar no tribunal, assim como é comum não haver policiais capazes de investigar crimes relacionados ao mercado de arte, onde há um volume significativo de falsificações sendo comercializadas para lavagem de dinheiro”, comenta.
Santos destacou que a justiça tem função simbólica, no sentido de instituir formas de um indivíduo ser publicamente reconhecido como criminoso. Daí se depreende o caráter de espetáculo da justiça, com personagens, narrativas e um cenário. E os atores são os juízes, os advogados, os acusados e a platéia, esta última cada vez maior devido ao alcance proporcionado pelas mídias, que escolhem os ângulos da informação que vão sustentar o drama público e, às vezes, até mesmo distorcer completamente os fatos, para causar maior repercussão.
As manifestações que estão acontecendo no Brasil foram consideradas pelo professor como uma possível expressão de democracia. No entanto, ele alertou que não se pode considerar que democracia seja uma ditadura da maioria, mas sim uma forma de relacionamento entre as pessoas e as instâncias de poder, para que sejam produzidos novos entendimentos sobre o que a sociedade deseja para si.
“Um governante, ao ganhar as eleições, deve governar todos, inclusive os que não votaram nele. O importante é que as pessoas que estão se manifestando consigam estabelecer relações entre si para estipular o que estão realmente reivindicando e, com isso, buscar as pessoas que estão no poder público para ver o que pode ser feito. Também não se pode criar uma manifestação e depois de duas semanas desistir, senão não adianta nada”, frisou o professor, que deixou Portugal por questões políticas e, anos mais tarde, participou do movimento de independência de Angola, durante a década de 70.
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