Por Catarina Maul
No sábado, por motivos imensamente relevantes, acordei iluminada e segura. O bastante para vestir um vestido totalmente vermelho e sair com meus óculos de sol para promover mais um espetáculo da Temporada de Glória – Música na Alma, da Banda Marcial Imperial Petropolitana.
Destino: o chamado “Lixão” da Duarte da Silveira, espaço unicamente eleito por mim, por razões de pura empatia.
Dia de mãe, peguei meu filho pré adolescente mal humorado e o convenci a me acompanhar, com a condição de um super almoço após o espetáculo e a extensão do convite à nossa tia especial, diversão para a família inteira. De quebra, levar ainda um primo adolescente.
Coloquei-me no carro com os três e seguimos ao destino, um tanto fora de nossos rumos diários, mensais, anuais, mas ainda o escolhido com carinho por razões especiais.
Na procura do endereço correto, entre uma informação ou outra, minha tia, preocupada com o desconhecimento de campo, solicitava: - Vamos perguntar às pessoas onde tem uma apresentação.
Mas esclareci a ela que eu, que inventei a coisa, era a única pessoa que tinha que saber onde era. E que seria onde eu achasse que caberia a banda.
Se divulgamos? Claro!
Mas nem todas as pessoas têm acesso à TV a Cabo, nem todas compram informativos diários, nem todas estão plugadas no que acontece ao mundo.
Chegado ao destino, filho ainda emburrado (e já resmungando de fome), saltamos do carro num terreno de terra e casebres por todo lado.
Os moradores, curiosos com a estranha presença do carro e da gente, nos mediam com os olhos. Um, mais ousado, de frente para o meu vestidinho vermelho, ainda gritou: - Olha a Mamãe Noel!!!
Os amigos caíram na gargalhada e para todos, virei Mamãe Noel mesmo. Tive que achar graça e sorrir para eles, entrando no tom da brincadeira corajosa. Virou um eco entre eles: Mamãe Noel.
Surpresa maior tiveram quando o colorido ônibus da Secretaria de Educação adentrou a comunidade, despejando quase 50 soldados músicos impecáveis, com suas fardas de enfeites dourados, mesma cor de todos os instrumentos.
O luxo do ouro bordado nas roupas dos artistas contrastava com os chinelos empoeirados das dezenas de crianças. Os quepes de veludo faziam oposição às toucas de henê que algumas moradoras exibiam, sem constrangimento algum.
Nosso maestro, de terno alinhado, opunha-se aos jovens descalços e sem camisa, que debruçavam seus olhares curiosos sobre a banda.
Por momentos, ninguém mais reparou em meu vestido.
E a Banda Marcial Imperial começou o show. Os sapatos de salto da linha de frente pisavam macios no chão de barro, assim como as singelas balizas deslizavam sem pudores os corpos e as mãos na poeira vermelha da terra.
Tanta alegria no olhar de nosso público atento e fiel, tanta curiosidade na visão esperançosa das crianças, tanta admiração no apreço dos adultos, que a apresentação que sempre dura 45 minutos, com intervalo no meio para a água, dessa vez durou quase 1 hora e 10 (e sem parar para o intervalo).
O maestro se empolgou: contou sobre cada instrumento, pediu solo para demonstrar o som de todos eles, explicou suas diferenças, incentivou os sonhos juvenis das crianças, provando que todos podem aprender um instrumento musical.
E a platéia, atenta e aplaudindo, comprovava duas coisas que eu sempre soube: não é preciso ser erudito para entender e apreciar a arte e o “Lixão” da Duarte da Silveira é o melhor palco do mundo.
Quando tudo terminou, após abraçosda comunidade, agradecimentos efusivos e fotos com as crianças curiosas para chegar perto dos artistas e dos instrumentos, os músicos entraram no ônibus e partiram.
Ainda demorei uns minutos fechando a produção do projeto, mas após isso dirigí-me ao carro, dessa vez com um filho mais animado, que apreciou o resultado do espetáculo, divertiu-e com o bêbado dançando e encantou-se com a beleza do projeto. Teve que dar a mão à palmatória e reconhecer que reclama demais da vida, e não valoriza o melhor que existe nela.
Mas, mesmo assim, depois de todos terem reconhecido em mim a realizadora do projeto e apresentadora oficial do evento, na despedida ainda ouvi: - Tchau, Mamãe Noel.
Parei no caminho, virei de frente para todos, dei um largo sorriso e um aceno de mãos que alcançaria todos os cantos do Duarte, despedindo-me.
Orgulhosamente me vi a própria Mamãe Noel mesmo, capaz de dar para aquelas pessoas o melhor presente de Natal do mundo: a esperança de transformar os seus destinos e de perceber que cada ser que existe e habita o mundo tem a sua insubstituível importância.
Aquela tarde e a escolha do vestido vermelho para acompanhar esse dia especial, eu jamais esquecerei. Todos deveriam ser Mamãe ou Papai Noel por um dia!
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